segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Definição de Sociomuseologia( Mário Moutinho)

Definição evolutiva de Sociomuseologia - Proposta de reflexão.

Mário C. Moutinho

A Sociomuseologia traduz uma parte considerável do esforço de adequação das estruturas museológicas aos condicionalismos da sociedade contemporânea.

A abertura do museu ao meio e a sua relação orgânica com o contexto social que lhe dá vida, têm provocado a necessidade de elaborar e esclarecer relações, noções e conceitos que podem dar conta deste processo.

A Sociomuseologia constitui-se assim como uma área disciplinar de ensino, investigação e actuação que privilegia a articulação da museologia em particular com as áreas do conhecimento das Ciências Humanas, dos Estudo dos do Desenvolvimento, da Ciência de Serviços e do Planeamento do Território.

A abordagem multidisciplinar da Sociomuseologia visa consolidar o reconhecimento da museologia como recurso para o desenvolvimento sustentável da humanidade, assente na igualdade de oportunidades e na inclusão social e económica.

A Sociomuseologia assenta a sua intervenção social no património cultural e natural, tangível e intangível da humanidade.

O que caracteriza a Sociomuseologia não é propriamente a natureza dos seus pressupostos e dos seus objectivos, como acontece em outras áreas do conhecimento, mas a interdisciplinaridade com que apela a áreas do conhecimento perfeitamente consolidadas e as relaciona com a Museologia propriamente dita.

As preocupações fundamentais da Sociomuseologia há muito que se encontram descritas em numerosos documentos elaborados dentro e fora da Museologia.

A titulo de exemplo pode-se referir a Declaração de Santiago do Chile de 1972, a Declaração de Quebec (MINOM) 1984, a Convenção sobre a protecção e promoção da diversidade das expressões culturais (UNESCO), 2005, a Convenção para a salvaguarda do património imaterial (UNESCO) 2003, Convenção do Património Mundial, A Protecção do Património Mundial Cultural e Natural, UNESCO – Paris, 1972, Em todos este documentos aparece um traço de continuidade que indica claramente o alargamento das funções tradicionais da museologia e o papel que deverão assumir na sociedade contemporânea.


1- Entre essas preocupações deve ser referido o carácter global (planetário) dos problemas relacionados com a valorização e protecção do Património Cultural e Natural no quadro de uma visão nacional e internacional não só pela natureza dos problemas mas também pela necessidade de assentar politicas que ultrapassam os limites nacionais e afectam regiões ou em muitos casos dizem respeito ao próprio planeta no seu todo.

Este entendimento resulta em parte da necessidade de envolver recursos humanos, financeiros e legais científicos e técnicos que ultrapassam claramente a responsabilidade local ou nacional. (Convenção do Património Mundial, A Protecção do Património Mundial Cultural e Natural, UNESCO – Paris, 1972)

2- O reconhecimento que as questões do desenvolvimento também têm vindo a ser consideradas aos níveis local, nacional e internacional não só pela natureza das questões mas também pelo carácter alargado do princípio da sustentabilidade que obviamente não só ultrapassa as fronteiras como também exige soluções globalmente sustentáveis.

Neste contexto as soluções implicam abordagens multifacetadas e assentes no princípio da participação que não são específicas de um só grupo social mas que ao contrário assentam na participação e no compromisso individual e colectivo. Cultura e desenvolvimento são cada vez mais elementos de uma responsabilidade Social onde assenta a intervenção museal

3- Também é largamente reconhecido que todas as sociedades estão em permanente mudança pelo que a actuação dos museus deverá assentar nessa própria mudança sempre que procura deter um papel socialmente interveniente.

Que o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na acção, situando suas actividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais; (Mesa Redonda de Santiago do Chile, ICOM, 1972)

4- Os museus são cada vez instituições entendidas como entidades prestadoras de serviços, pelo que necessitam crescentemente de envolver os conhecimentos das áreas da gestão da inovação, do marketing, do design e das novas tecnologias da informação e da comunicação. Estas áreas do conhecimento trazem para os museus factores de melhoramento da qualidade da relação dos Museus com os seus públicos e/ou utilizadores para a qual se aplicam as ferramentas de avaliação da qualidade.

Estas abordagens essenciais mas efectuadas parcelarmente encontram agora numa nova área de conhecimento geralmente denominada por Ciência de Serviços, Gestão e Engenharia. (SSME). Esta área propõe-se reunir e articular de forma consistente os trabalhos em curso no domínio da informática, da engenharia industrial, da estratégia empresarial, das ciências de administração, das ciências sociais e cognitivas e das ciências jurídicas de modo a desenvolver as competências requeridas por uma economia orientada e assente cada vez mais na produção e uso de serviços. Esta área do conhecimento visa o entendimento transversal de outras áreas que por si só atingiram um desenvolvimento considerável, mas que raramente são objecto de entendimento articulado e dialéctico.

Mais do que uma função propriamente técnica que resulta do entendimento do museu com uma instituição ao serviço dos objectos museológicos os Museus são cada vez mais entendidos como instituições prestadoras de serviços e neste sentido devendo ser compreendidas como qualquer outra actividade de Serviços. A museologia e os museus (no seio da economia dos serviços culturais) ocupam cada vez mais um lugar de destaque na economia dos serviços em geral, a qual representa actualmente 50 a 70% do PIB dos países mais desenvolvidos e um lugar crescente na maioria dos outros países.

5- A actuação dos recursos humanos envolvidos nas diversas e ampliadas funções dos museus carecem cada vez mais de formação aprofundada que ultrapassa as tradicionais formações técnicas que esgotam a actuações dos museus centrados exclusivamente sobre as suas colecções. As Curricula Guidelines for Professional Development actualmente em processo de revisão no seio do ICOM dão claramente conta multiplicidade dos campos de formação de modo a cobrir todas as áreas onde o Museu se afirma como áreas de trabalho. De forma resumida a Declaração do ICTOP de Lisboa 1994 já anunciava este novo processo de revisão da formação dos trabalhadores dos museus.

Os programas de formação museológica devem oferecer oportunidades de formação que visem o preenchimento das necessidades imediatas e das expectativas da comunidade museológica para muni-la de uma programação pró-activa em vez de uma instrução reactiva; (…),

Os programas de formação museológica devem preparar formandos, a todos os níveis, para desempenharem mais elevados papéis de liderança, estimulando a investigação intelectual, a interacção imaginativa, e soluções corajosas para aplicar a práticas e actividades museológicas, bem como transmitindo um senso de responsabilidade ética, profissional e social;

(Declaração de Lisboa, Resoluções da Comissão Internacional de Formação de Pessoal de Museus - ICTOP/Universidade Lusófona, 1994)

Esta proposta de definição da Sociomuseologia mais do que um puro exercício gramatical pretende na verdade chamar atenção para toda uma vasta área de preocupações, métodos e objectivos que dão cada vez mais sentido a uma museologia cujos limites não cessam de crescer. A visão restritiva da museologia como técnica de trabalho orientada para as coleções, tem dado lugar a um novo entender e práticas museológicas orientadas para o desenvolvimento da humanidade.

E é exactamente para esta realidade, fruto da articulação de áreas do saber que cresceram por vezes fora da museologia mas que progressivamente se tornaram recursos incontornáveis para o desenvolvimento da própria Museologia, que a definição de Sociomuseologia se revela poder ser um contributo que ajuda a compreender processos e definir novos limites.

Assim entendido a Sociomuseologia assume-se como uma nova área disciplinar que resulta da articulação entre a demais áreas do saber que contribuem para o processo museológico contemporâneo. Entre o paradigma do Museu ao serviço das colecções e o paradigma do Museu ao serviço da sociedade está o lugar da Sociomuseologia

Lisboa, Setembro 2007,XIII Atelier Internacional do MINOM, Lisboa Setúbal

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